O alto custo da insegurança para toda a sociedade, por Ítalo Bezerra

No último dia 29 de abril, repercutiu a notícia da condenação por parte da Justiça do Trabalho no Ceará de empresa de transporte urbano no pagamento de indenização no valor de R$360.000,00 além de pensão vitalícia, a viúva e aos filhos deixados por um trabalhador morto enquanto trabalhava.

O crime ocorreu em abril de 2017, quando a população da capital cearense sofreu uma gravíssima onda de violência decorrente de uma série de ataques perpetrados pelos criminosos integrantes das “facções” que atuam no Ceará. O trabalhador assassinado laborava como trocador em um ônibus urbano que fazia a linha determinada quando, ao chegar numa localidade do Bairro Jardim Fluminense, foi atacado por dois criminosos que incendiaram o veículo.

Como o trabalhador falecido era pessoa com deficiência física e cadeirante, o resgate não foi rápido o suficiente para ser efetivo. Apesar de ter conseguido sair do veículo com vida, o trabalhador teve 90% de seu corpo queimado o que causou seu falecimento alguns dias depois do crime.

Em que pese não ser prudente a análise de casos em litígio sem ter conhecimento da íntegra dos fatos e dos autos, o objetivo do presente artigo é comentar sobre o liame entre a responsabilidade estatal no tocante à segurança pública e seus efeitos nas relações trabalhistas entre empregados e empresas. É sabido que aquele que opta por trabalhar explorando uma atividade econômica (empresário) assume para si os riscos do negócio, sejam esses em relação a possíveis lucros ou prejuízos do empreendimento, ou os relacionados aos impactos que a atividade causa em terceiros, consumidores ou empregados.

Por não ser, em regra, diretamente beneficiado com o lucro do negócio, o empregado não pode ser obrigado a arcar com os riscos do empreendimento, sejam esses econômicos ou ambientais, relacionados a higiene, saúde ou segurança do trabalho.

Assim, para por em atividade a empresa, cabe ao empresário garantir que seus empregados tenham condições de trabalhar sem que sofram os chamados acidentes de trabalho. Compete ao empreendedor fornecer e garantir o uso de equipamentos que eliminem riscos inerentes à profissão: capacete para operários da construção civil, luvas para médicos e enfermeiros, protetores auditivos para operadores de máquinas barulhentas, por exemplo.

Ciente da sua responsabilidade quanto aos riscos físicos dos funcionários bem como quanto ao custo do investimento necessário para diminuir ou eliminar tais riscos, o empresário pode avaliar a viabilidade do negócio bem como repassar tais custos para o consumidor final, responsável pela manutenção do negócio. Para tanto, há que se ter uma previsibilidade jurídica quanto ao ambiente de negócio. Quanto maior a estabilidade dos posicionamentos jurídicos, maior será a possibilidade de se prever eventuais riscos e de se analisar a viabilidade de explorar ou não determinado mercado.

Nesse sentido, é fundamental a atuação do Tribunal Superior do Trabalho (TST) como responsável pela uniformização da interpretação da legislação trabalhista afeta às empresas e julgador, em última instância dos processos, ainda que apenas na seara trabalhista. Na recente data de 26 de abril de 2019, o TST manteve condenação dos Correios para indenizar funcionário que foi vítima de assalto à agência que funcionava como correspondente bancário e, portanto, tinha potencial risco de ser assaltada:

AGRAVO INTERNO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSALTO À AGÊNCIA DOS CORREIOS. CORRESPONDENTE BANCÁRIO. Para se impor o dever de indenizar, deve se averiguar a presença do dano, da conduta culposa por parte do empregador e do nexo de causalidade com as atividades desenvolvidas pelo empregado (art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal). Entendimento pacífico no âmbito do TST no sentido de que ao atuar na condição de correspondente bancário é dever da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, resguardar o trabalhador com medidas de segurança adequadas, inerentes àquelas exigidas das instituições financeiras típicas, visando à proteção de seus empregados contra eventual hipótese de assalto. Predomina, ainda, nesta Corte, o entendimento de que assalto à agência que atua na qualidade de correspondente bancário configura fortuito interno. No caso concreto, examinando o conjunto probatório, o Regional concluiu que a reclamada não implementou as medidas necessárias para proteção dos empregados ensejando precariedade de segurança na agência. Configuração da conduta omissiva da reclamada e ocorrência de assalto à mão armada com privação da liberdade da empregada, ameaça de morte e trauma psicológico. É, pois, inequívoco e inquestionável a existência do dano. Assim, a presença de liame de causa e efeito entre o dano sofrido e a conduta da reclamada ficou comprovada. Portanto, foram atendidos os pressupostos para que se imponha o dever de indenizar. Precedentes das Turmas do TST. Agravo interno a que se nega provimento. (Ag-RR – 20-12.2015.5.14.0111, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 24/04/2019, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/04/2019).

Dessa forma, o que se entende é que, ciente dos riscos inerentes à exploração da atividade de correspondente bancário, devem os Correios tomar as medidas necessárias para minimizar os riscos para com seus empregados. Uma vez que deixa de tomar tais medidas, deve ser condenada a indenizar o funcionário que sofreu o dano. Os ministros do TST têm o entendimento de que, nos casos de exercício de atividade de risco inerentes à profissão, analisada em cada caso concreto, a responsabilidade do empregador é do tipo objetiva, ou seja, independe de comprovação de dolo ou culpa.

Em julgamento recente, ocorrido em novembro de 2018, o Tribunal Superior do Trabalho manteve a condenação de empresa no pagamento de indenização por danos sofridos por funcionário que exercia a função de segurança e fiscal de loja que foi assassinado quando da ocorrência de um assalto ao estabelecimento. No caso, entendeu o TST que a atividade possuía um risco inerente que atraia a responsabilidade objetiva para o caso:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nºs 13.015/2014 e 13.467/2017 INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FISCAL DE LOJA. LATROCÍNIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. No caso, trata-se de pedido de indenização por danos morais e materiais, formulado pelos pais e pelo irmão do falecido, que, no exercício da função de fiscal de loja e segurança geral, ao tentar impedir a ocorrência de um assalto, nas dependências da reclamada, foi vítima de latrocínio, roubo seguido de morte. Em se tratando de acidente de trabalho, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil consagra a teoria da responsabilidade objetiva do empregador, em face do exercício de atividade de risco. Com efeito, a teoria do risco profissional considera que o dever de indenizar decorre da própria atividade profissional, uma vez que o seu desenvolvimento está diretamente ligado aos acidentes do trabalho. São as hipóteses em que a atividade desenvolvida pelo empregado se constitui em risco acentuado ou excepcional pela natureza perigosa, de modo que a responsabilidade incide automaticamente, independentemente de culpa ou dolo do empregador. Na hipótese dos autos, o trabalhador, no exercício da função de vigilante, foi vítima de latrocínio, roubo seguido de morte, enquanto prestava serviços à reclamada. Com efeito, constata-se que a atividade profissional desempenhada pelo reclamante era de risco, na medida em que, na condição de vigilante da reclamada, estava mais susceptível a assaltos de modo mais intenso que de um cidadão comum. Assim, não merece reparos a decisão do Tribunal Regional que aplicou, ao caso, a responsabilidade objetiva, nos moldes do art. 927, parágrafo único, do Código Civil (precedentes). Agravo de instrumento desprovido. (AIRR – 1195-43.2016.5.14.0002, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 13/11/2018, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/11/2018).

Voltando ao caso do empregado que foi vitimado pela onda de ataques perpetrada pelos criminosos faccionados em 2017, o julgador do caso e os julgadores de eventuais recursos interpostos deverão analisar se a empresa incorreu em alguma conduta, comissiva ou omissiva, que influenciou em alguma medida o ocorrido que resultou no falecimento trágico do seu funcionário ou se a atividade exercida pelo funcionário, trocador de ônibus, trazia em si um risco inerente a autorizar a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva.

Referida decisão, analisada sob a perspectiva da formação de uma Jurisprudência, impactará a vida de toda a população e não apenas as pessoas diretamente envolvidas. Não se pode olvidar de que a responsabilidade pela garantia da segurança da população como um todo é do Estado, que arrecada recursos dos impostos pagos para exercer tal mister. A transferência de tais custos para empresas, notadamente as concessionárias de serviços públicos, pode, ao final, acarretar um aumento das tarifas de tais serviços a ser arcado pelos usuários.

Fato é que todos temos a perder com o cenário de insegurança crescente existente em nosso País, contribuindo negativamente para o alto custo dos serviços aqui prestados, tendo em vista a necessidade de altos investimentos em segurança privada, valores estes que são repassados a nós, consumidores.

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